Blog

Luís Fernando Veríssimo

16/12/2010 23:53

 

 Eu tomo um remédio para controlar a pressão.

Cada dia que vou comprar o dito cujo, o preço aumenta.
Controlar a pressão é mole. Quero ver é controlar o preção.
Tô sofrendo de preção alto,
O médico mandou cortar o sal.
Comecei cortando o médico, já que a consulta era salgada demais.
Para piorar, acho que tô ficando meio esquizofrênico. Sério!
Não sei mais o que é real.
Principalmente, quando abro a carteira ou pego extrato no banco.
Não tem mais um Real.
Sem falar na minha esclerose precoce. Comecei a esquecer as coisas:
Sabe aquele carro? Esquece!
Aquela viagem? Esquece!
Tudo o que o barbudo presidente prometeu? Esquece!
Podem dizer que sou hipocondríaco, mas acho que tô igual ao meu time:
- nas últimas.
Bem, e o que dizer do carioca? Já nem liga mais pra bala perdida...
Entra por um ouvido e sai pelo outro.

Faz diferença... 
"A diferença entre o Brasil e a República Checa é que
a República Checa tem o governo em Praga
e o Brasil tem essa praga no governo"

Nada é Impossível de Mudar - Bertold Brecht

10/12/2010 22:37

 Desconfiai do mais trivial,

Na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:

Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,

Pois em tempo de desordem sangrenta,

De confusão organizada, de arbitrariedade consciente,

De humanidade desumanizada,

Nada deve parecer natural,

Nada deve parecer impossível de mudar.

Retratos de Um Povo Marcado - Juliana Teixeira

03/12/2010 21:58

 Não precisa ser bom cordelista

E nem cantador de primeira,

Para ser capaz de fazer uma lista

Sobre a situação da população brasileira.

Não é preciso ser bom entendedor

E nem ser grande doutor

Para ver que, por vezes, vivemos numa grande feira.

 

Vemos um povo subjugado

Que nasce na simplicidade,

E que pelo Estado, é negligenciado

Mas que ainda consegue sorrir com sinceridade,

Um povo que não foge da lida

Que traz no rosto marcas da vida

E em suas histórias, contam suas verdades.

 

Eles lutam por educação,

Educação digna para a maioria,

E às vezes se sentem na contramão,

Num País que Governa para a minoria.

Mas sabem que para a mudança chegar,

Eles precisam se unir e lutar;

Mesmo que pareçam querer uma utopia.

 

Quem está no poder não quer o Progresso da Nação,

Enquanto isso, o povo sofre com a desigualdade.

Mas não é preciso que todos tenham informação,

Afinal, por que todo mundo precisa ter capacidade

Se o povo não vai nunca ter voz

Já que nesse lugar, o Governo vai sempre ser seu algoz?

Para esse povo, sempre vai faltar oportunidade.

 

Enquanto governa-se para a burguesia

A população enfrenta filas nos hospitais

A saúde é vendida como mercadoria;

Mais um exemplo de injustiças sociais.

E o Estado Provedor?

Passa a responsabilidade para o Terceiro Setor

E nesse leva-e-traz, o povo sofre cada vez mais.

 

Ainda há o problema do Desemprego Estrutural,

Será que ainda dá para mudar?

Mesmo sendo tantas as Expressões da Questão Social,

Será pior se pararmos de lutar;

A luta tem que ser constante

Ainda que tudo pareça muito distante.

Nossa! Ainda por cima, para piorar, o povo não tem, sequer onde morar!

A Segunda Entrevista do Bandido - Arnaldo Jabor

29/11/2010 23:53

"Em maio de 2006, tu me entrevistou... Estou lembrando da tua cara... Saiu até no 'Harper's Magazine... em inglês...

Agora estão me mudando de Catanduvas, acho que para Roraima, sei lá. Mas, creia que eu não ordenei ataque algum, que não sou burro. Você acha que eu ia queimar ônibus e jogar a população contra nós? Isso é coisa de traficas idiotas... Na época, você me perguntou como eu entrei no crime e eu te disse que era invisível desde menino... Vocês nunca me olharam durante décadas... E olha que era mole resolver o problema a miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos de barracos ou nas músicas românticas sobre a 'beleza dos morros ao amanhecer', essas coisas... Os policiais eram considerados bandidos e nós éramos os heróis, lembra? 'Vítimas da miséria.' É, mas quem fez o crime crescer não foi a miséria, foi o capitalismo, cara. Com a multinacional do pó, ficamos ricos e as armas chegaram... Aí começou o 'que horror!', 'que medo!' entre vocês do asfalto. Nós fomos só o início tardio de vossa consciência social..."

"Como assim?"

"Nós somos filhos tortos do crescimento econômico; e vocês também. Nossos enriquecimento e virulência obrigaram vocês a se modernizarem na repressão. De certa forma, vocês aprenderam conosco, numa espécie de 'formação reativa dialética'. Viu como sou culto?... Li centenas de livros em Catanduvas."

"Sim, mas você que viveu na barra-pesada, me diga, qual é a solução?"

"Vocês só chegam a algum sucesso se desistirem de defender a 'normalidade'. Olha aqui, mano, não há mais solução! A própria ideia de 'solução' já é um equivoco pequeno-burguês... rá rá... é filosoficamente uma esperança vã! Mas vou ser franco contigo, na boa, na moral: estamos todos no centro do 'insolúvel'. Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Só que nós sabemos que não há saída. Só a morte ou a merda. E nós já trabalhamos dentro delas. A morte para vocês é um drama cristão numa cama. A morte para nós é o 'presunto' diário, desovado na vala... Vocês intelectuais não falavam em 'luta de classes', em 'seja marginal, seja herói?' Pois é: somos nós! Rá rá...

"Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro 'Alien' escondido nas brechas da cidade. Você não ouve as gravações feitas 'com autorização da Justiça'? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. Há uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, celulares, internet, armas modernas. É a merda dos chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação social, são fungos de um grande erro sujo, O que mudou nas periferias?

"Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel. Quem vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes.

"Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e nossos produtos vêm de fora; somos globais.

"Você acha que o caminho é este?"

"Vocês estão fazendo uma crítica da própria incompetência. Esse negócio das UPPs é muito bom. É a primeira coisa imaginosa que apareceu. Mas, se não houver uma reforma geral das instituições, as UPPs podem morrer na praia. Elas mantêm o paciente vivo, mas não combatem a doença original.

"Tem de haver uma reforma radical do processo penal do país, tem de haver comunicação e inteligência entre as políticas municipais, estaduais e federais, programas sociais e educação. Tudo bem... agora melhorou muito; aumentou o pragmatismo e a eficiência. N´´os sempre estivemos no ataque; vocês, na defesa. Agora tudo se inverteu. Parabéns.

"A repressão aprendeu muito conosco. A polícia e a política aprenderam com o excesso de horrores que já produzimos nos últimos 30 anos, aprenderam com os temores da população, com os ônibus pegando fogo, com as cabeças cortadas, com os microondas toraando os X-9s, aprenderam que não há mais solução e sim 'processo', e por isso vocês estão ganhando terreno. Parabéns. Mas agora, como se diz no Exército, está na hora do 'aproveitamento do êxito'. Não adianta tomar o morro e depois sair, não adianta matar, celebrar vitórias, não adianta nada se..."

"Sim, o que devem fazer as forças policiais?"

"Vou dar um toque, mesmo contra mim. Escreve aí: pequem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem general, tem até ex-presidente do Paraguai nas paradas da cocaína e armas.

"Isso não é assunto para a polícia, não. Isso é uma questão de Estado, é tão importante quanto impedir o desmatamento. Está havendo uma mudança psicológica na população. Faz parte do crescimento econômico. Não é bom para o mercado uma zorra como a nossa. A produção do mundo está nos obrigando à modernização e à democracia. Eu estou falando como um cientista político porque sou um cientista sobre mim mesmo - rá rá... Meu destino está traçado, o sangue está grudado em mim, mas o destino de vocês também está. Eu vejo hoje muito mais do que via, mas vocês também têm de mudar. Estou lendo o Klausewitz - 'Sobre a guerra' - e digo que vocês não podem esperar uma vitória total, solução, a paz em Ipanema e o mundo voltando atrás. Nunca mais.

"É como no Oriente Médio, com os homens-bomba. Nunca haverá vitória clássica. Dá para melhorar, urbanizar, civilizar, mas o mundo hoje tem um preço trágico que todos terão que pagar. Todos vamos conviver com a própria miséria.

"De qualquer forma, parabéns... Por linhas tortas chegaram lá. A História não é uma linha reta. É um zigue-zague.

"Vocês nunca terão uma solução completa, mas, ao menos, já conheceram o problema...

"Vamos lá... Vou vazar para Roraima... mas, olha, cara: não há mais segurança máxima na vida...

"Bye, Bye, Catanduvas..."